sábado, julho 07, 2007

"Dá Trabalho" de Rui Zink


(excerto retirado da crónica "Dá Trabalho" incluída no livro "Luto pelas Felicidade dos Portugueses" (Crónicas Benditas) - Colecção Inéditos Sábado)

(...)
Sorrir é bom. Só que eu não sorrio porque tenho Deus ou a Razão ou a Verdade do meu lado. Sorrio por coisas práticas: um amigo que não via há muito com quem vou jantar, um copo de vinho que, por bom preço, veio animar o intervalo de uma tarefa qualquer.

Sorrio porque me apetece e não por dever profissional - e isso, nos tempos que correm, já é um motivo para sorrir. Sorrio quando um trabalho me corre bem, chamem-me parvo. E sorrio quando um trabalho me corre mal, porque sei que não é o fim do mundo. Sorrio quando compreendo. Sorrio quando não compreendo mas gostei.

Este sorriso nem sempre me sai da cabeça para fora. Como é normal em muitos humanos que têm o azar de pertencer ao meu sexo, sinto alguma dificuldade em mexer os músculos da cara, parece que os deixei emperrados na adolescência.

(...)
Ser amado pelo próximo? Era bom, mas nem sempre conseguimos isso. A questão é: somos capazes de amar o próximo? Porque o mérito do amor está sempre no amador, não na cousa amada.

Aprender a ser feliz é possível, ensinar a ser feliz não. Ainda assim, passo a expor os meus dez mandamentos. Senão gostarem deles, o problema não é meu, façam os vossos.

Aqui vai:

1) Estar sozinho/acompanhado cinco minutos todos os dias;

2) Descobrir uma coisa nova no nosso horizonte visual (nem que seja uma nova racha no tecto);

3) Comer um bolo-de-arroz dia sim, dia não;

4) Não abusar do café;

5) Não ser queixinhas;

6) Ver menos televisão;

7) Ser moderado nos vícios mas manter alguns por causa das coisas;

8) Inspirar pelo nariz e expirar pela boca;

9) Andar mais a pé.

E agora vem o mandamento mais difícil, até para mim, caraças, que tenho uma paciência de santo: 10) Pelo menos uma vez por mês desejar, sinceramente, boa sorte ao nosso pior inimigo.

Pois é, ser feliz dá trabalho. Como tudo na vida, aliás.

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