sexta-feira, agosto 04, 2006

Um inverno

sentir doer os quase afagos do tédio é este
o indício do algo que nos sobra e talvez
só o que vamos sabendo dizer por entre
a linguagem com que a retina cega o olhar ver
morrer a árvore onde Matisse buscava
o absoluto e como não? o destino é tão-só
um semáforo verde por entre
o bulício do pensamento ou
a irrisória notícia do descalabro não existe
lugar algum onde ver seja mais do que isto
um ângulo entre ponteiros um oleiro girando na sua
máquina do tempo inventando
a futura trajectória das mãos ensanguentadas com que
o inverno despe a cidade e debaixo do sobretudo
o toque da carne viva ardendo à chuva
aqui já os olhos magoados avermelham
a janela inteira por esse abandono
atravesso as cidades como
um fantasma assombrando as vielas sabendo só
por essa mãe eu faria tantos castelos como
charcos onde já vi cisnes banharem devagar
as angústias fazendo assentar o lodo sob
o olhar amarelo dos peixes órfãos

escrevo ainda tantas cartas que essa janela
as leva já em destino como se soubesse
o meu destino.
!

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